Sou
mãe, funcionária pública, carioca, tatuada, rockeira, contribuinte. Já fui uma
cara-pintada, protestei, ergui cartazes. Hoje, em 2013, também participo dessa
manifestação, mas não do mesmo jeito. Concordo e torço para que todo esse
protesto mude de fato alguma coisa. Sofro (e pago) com os altos impostos, com a
corrupção e toda essa roubalheira que assola nosso país. Até anulei meu voto
nas duas últimas eleições como forma de protesto. Já fui estudante, já fui
universitária, aliás passei um tempão estudando para passar em um concurso e
passei. Hoje sou Policial Militar e me orgulho disso porque foi uma conquista,
mesmo não sendo o que eu idealizava para a minha vida, nunca havia me passada
pela cabeça ser policial, mas graças a Deus passei, tirei meus piercings, e
hoje sustento minha família, tenho a tão almejada estabilidade.
Na polícia, fui professora de
Mediação de Conflitos, fui relações públicas, trabalhei na equoterapia, fui até
a faixa de pedestre para ensinar regras de trânsito para criancinhas. Sempre
tentei fazer a diferença, mas hoje monto meu cavalo e sou mais uma policial no
meio dos milhares que trabalham nessas manifestações. Deixo de ser eu e me
torno a cavalaria.
Enquanto eu estava montada no meu
cavalo tentando impedir que manifestantes invadissem o Congresso Nacional,
vocês gritavam: “Ei, fardado, você também é explorado”. Como se eu não soubesse
disso. Eu sei, claro que sei. Sou, como todos os trabalhadores, todos os
assalariados neste país. A situação não está fácil para ninguém.
Quarta-feira, dia 26 de junho,será a
marcha dos Cem Mil e é também o dia do meu aniversário. Eu não queria estar lá,
pelo menos não trabalhando (quem é que quer trabalhar no dia do aniversário?).
Estarei longe da minha família, do meu marido, dos meus filhos, não poderei nem
receber um abraço de feliz aniversário. Minha mãe estará chorando, aliás, já
está desde ontem, porque sua filhinha caçula estará lá se arriscando ao invés
de estar comemorando. Se eu pudesse eu estaria com eles, ou até mesmo lá me
manifestando como vocês, mas não posso porque o fim do mês está chegando e eu
preciso levar comida para casa.
Não vou negar que entre os policiais
podem ter aqueles mais exaltados, até violentos, mas não são todos. Assim como
no meio dos manifestantes também tem aqueles que são exaltados e violentos, que
jogam coquetel molotov e garrafas na cabeça do meu parceiro, que estava do meu
lado quando foi atingido, mas não são todos os manifestantes que são assim.
Quem dera todos os policiais, no universo de 17 mil, fossem sensatos e
profissionais. Quem dera todos os manifestantes fossem pacíficos e tivessem um
objetivo definido, quem dera todas as pessoas fossem boas, quem dera não
houvesse assassinos, ladrões, corruptos. O que eu quero dizer é que não podemos
julgar, generalizar, rotular. Sou
policial estou do lado de vocês, não quero que vocês desistam e me entristeço
com a falta de possibilidade de eu também fazer um cartaz e mostrar minha
indignação. Me estristeçe também ver que por causa de algumas pessoas que
realmente não se importam, depredam, agridem, podemos perder uma oportunidade
única na história. Oportunidade mudarmos o rumo do nosso país.
Estive lá, estarei lá amanhã também.
Vocês podem até achar que o soldado está do lado errado, mas meu coração está
do lado de vocês. Do lado dos manifestantes que realmente tem algo a dizer.
Sei que quarta-feira será o meu
aniversário e de presente só espero não levar nenhuma pedrada, nenhuma
garrafada. Sei que minha mãe estará chorando, meus filhos estarão tristes, meu
marido estará pensando em mim e eu estarei querendo fazer qualquer outra coisa,
que será melhor do que ficar parada por horas e horas em cima de um cavalo, com
o pescoço a prêmio.
Sei que de presente espero que o
sacrifício do dia do meu aniversário sirva para que alguma coisa mude de
verdade. Quero de presente ver manifestantes de verdade, com ideais, com
sonhos, se sobrepondo aos baderneiros pois esse é único jeito de mudarmos algo.
E Que Deus me dê discernimento para
saber quem é quem no meio de milhares de pessoas, para não errar, para não
deixar o medo (sim, eu sinto medo) guiar meus atos. E que no final de tudo
isso, com um país transformado, um povo feliz, eu possa tomar uma cerveja com
meus familiares e amigos. Tanto aqueles amigos que conheci nesses 11 anos de
profissão, quanto aqueles amigos que estão lá carregando cartazes e fazendo
aquilo que eu não posso fazer.