quarta-feira, 30 de maio de 2012

VERSÕES – DE LUIS FERNANDO VERÍSSIMO – INDICADO POR RUBIÃO





Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido. Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (unzinho e eu ganhava a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não, ido para Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste...


Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz – aliás, o nome do bar é Imaginário – sentou um cara do meu lado direito e se apresentou:


- Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo.


E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo.
 

- Por quê? Sua vida não foi melhor do que a minha?


- Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei à seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia...
 

- Eu sei, eu sei... – disse alguém sentado ao lado dele.


Olhamos para o intrometido... Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:


- Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.


- Como é que você sabe?


- Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um herói, me atirei... Levei um chute na cabeça. Não pude mais ser nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria do INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante...
 

- Ele chutaria para fora.
 

Quem falou foi o outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou.


- Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença. Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio...



- E o que aconteceu? – perguntamos os três em uníssono.

 - Lembra aquele avião da Varig que caiu na chegada em Paris?

 - Morri com 28 anos.

Bem que tínhamos notado sua palidez.

 - Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo...

- E ter levado o chute na cabeça...
 
- Foi melhor – continuou – ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado...



- Você deve estar brincando.

 Disse alguém sentado a minha esquerda. Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.

 - Quem é você?

 - Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.


Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra. As conseqüências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto, ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente. Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas.



- Que é você? – perguntei.

 - Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.

- E...?



Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para baixo.

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