segunda-feira, 11 de junho de 2012

Construindo uma música - Parte 2 (Por Rubião)


Canoa Quebrada, ainda que linda, se diferencia muito de Jericoacoara, pois já é bastante asfaltada e seus bares e restaurantes se aglutinam na broadway, rua onde não transitam veículos. No entanto, a característica mais marcante da vila é a presença, em suas praias, de falésias de areia avermelhada onde inúmeros artistas aproveitam dessa estrutura para esculpirem diversas obras de arte, sendo que a mais recorrente é a lua e a estrela, símbolo da vila.



Em Canoa, pensando em ficar poucos dias, me hospedei inicialmente numa pousada um pouco mais requintada, com piscina e tudo mais. Saio para conhecer a noite da vila e me encosto num balcão do Bar Todo Mundo, onde só rolava rock’n’roll gringo, ou gringo e rock’n’roll, não importando a ordem. Tudo normal. Fico sabendo de um som ao vivo num bar chamado Wallayê e então saio a procurar.



Nessa altura do meu passeio e com a experiência de Jeri, eu já saia da pousada com o pandeiro a tiracolo para evitar esforço em caso de alguma surpresa etílico-musical. Procuro pela vila e, então, acho o tal Wallayê numa via lateral à Broadway. Lá estava tocando um tal de Juracy Montenegro, o Jura de Canoa, figurassa que, de calção e chinelo, mandava muito bem na voz e no violão, com um jeito próprio de interpretar as músicas, com risadas, dançadinhas e comentários introduzidos entre as frases que deixava todo mundo ligado em sua apresentação.



Fico no balcão e peço um mojito, drinque parecido com a nossa caipirinha, porém com a presença de hortelã. Percebo uma galera bastante animada entre as mesas, eram dois italianos que falavam bem o português e umas garotas que notei serem brasileiras. Todos estavam muito animados e eu gostei muito do lugar. O proprietário também era um italiano, o Stefano. Assim, segue a noite com o Jura levando muitos sons do Tim Maia, Jorge Benjor, Gilberto Gil e de outros da melhor safra da música brasileira. Peço a conta, quando percebo que o Jura, no intervalo de sua apresentação, aproxima-se do balcão e nota a presença do pandeiro em meu franco e já vai se apresentando. Trocamos umas idéias e ele me diz que no outro dia iria rolar uma feijoada para convidados e que também iria rolar uns batuques e tal e que, se eu quisesse, era só aparecer. Respondi: “na hora meu caro”.



O engraçado era que, durante essa viagem, nas noites eu carregava o pandeiro em seu estojo e de dia, esse mesmo estojo servia pra carregar protetor solar – e haja protetor – walkman, óculos escuros, livro e otchas coisitchas mais que iam comigo para as praias e para as caminhadas. No domingo pela manhã, então, resolvo fazer uma caminhada mais longa pelas praias de Canoa. Minha intenção era ir até Marjolândia, uma vila que fica a uns cinco ou sete quilômetros de Canoa. Saio por volta das 9 horas e sigo a caminhada com o mar de um lado e falésias de outros, alguns bugues com turistas em passeios, areias e condomínios de um lado, corais e o mar de outro. Mar de um lado e dou outro umas esculturas sinistras nas Falésias. Só vendo.



O Suor já descia bastante quando avisto a praia de Marjolândia, que, por sinal, estava muito cheia. Era domingo e a galera estava de folga. Notei que a praia era freqüentada apenas pelos nativos. Muita farofa, mas achei o lugar interessante. Havia até uns “Salva-vidas” cada um mais malhado do que o outro, para não dizer o contrário. Vide foto.



Tomo umas cervejas com preço, é claro, bem mais em conta do que Canoa e resolvo voltar para não perder a tal feijoada do Jura. Venho caminhado próximo às quebras das ondas, molhando os pés quando, de repente, na batida da onda na areia eu escuto o som de uma linha de contrabaixo. Eu não estava ouvindo nada no momento. Meu walkman estava desligado. Fico com aquele som na cabeça e, com medo de acabar esquecendo aquela harmonia, solfejo aquilo que ouvi aproveitando do walkman para gravar o lance. Chego na pousada eufórico e esculto a gravação para ver se saiu direitinho. Havia gravado na fita cassete, encima dumas músicas que curtia muito, mas não importava, estava sentido que dali poderia sair algo legal.



Chego no Wallayê. Feijoada rolando e eu morrendo de fome. Tudo certo. Peço meu prato e me sento a uma mesa sozinho. Quando o Jura me avista e, dizendo “ôh do pandeiro”, pede para vir sentar com ele e sua galera. Noto que o pessoal era aquele mesmo da noite anterior, ou seja, os italianos e as meninas brasileiras que havia comentado. Então, o pessoal me adianta que não iria mais rolar o samba, pois uma galera não pode ir e também pintou um compromisso de última hora para o Jura e ele teria que se ausentar. Não gostei da notícia, mas o papo na mesa tava muito bom. Os italianos falavam português direitinho e, além do mais, eram muito engraçados e a Carlinha, a Paola, a Marjorie e a Kinkinha enchiam o ambiente de beleza, boa prosa e simpatia.Os italianos eram o Carlo e o Gianne, sendo que esse último era figura demais. O cara tinha uma verdadeira adoração pela música brasileira e conhecia coisas que eu nem sabia que existia.



Mais tarde, também se juntou à mesa o Stefano e aí começamos a jogar com dados um tal de Mentiroso e, apesar de animado, confesso que nunca entendi as regras do jogo. Teve partida que eu até venci sem saber o que estava rolando. Entramos noite a dentro jogando e, depois de muitas cervejas e algumas Ypiocas, saímos  em grupo para curtir um luau que estava rolando na barraca Freedon na praia.



Estava pensando: “caramba, ta muito legal aqui em Canoa” e o foda era que ficaria somente mais um dia no local. Porém, o pessoal me alertou sobre a Pousada Morada D’aldeia, onde os italianos estavam hospedados, dizendo que o local era muito bom e ainda havíamos combinado um passeio pela manhã seguinte com um bugueiro chamado Sapinho. Na segunda era a folga dos bugueiros.



Acordo cedo, tomo café, junto minhas tralhas e sigo de mochila e tudo para a Morada D’aldeia. A Dona Neita me atende. Mãe da Paola e muito simpática, mostra-me um quarto onde me acomodar. Agrado-me do local. O Gianne e o Carlo estavam terminando de tomar o café da manhã e logo chegam o Sapinho e o Jura já com o bugue pronto para o passeio. Fico sabendo que o Sapinho também é percussionista e no bugue havia violão, tam-tam e outros instrumentos percussivos. Levo o pandeiro e a gente segue passando por praias e dunas até chegar em um quiosque à beira de um pequeno lago de água cristalina. Paramos por lá e já fomos pedindo o prato, pois é costume no local, além da ótima qualidade do rango, a demora em servi-lo. Tivemos a honra de ouvir alguns poemas declamados pelo Seu Arnolfo, dono do estabelecimento e morador de Aracati, cidade adjacente à Canoa. Abrimos os trabalhos com cervejas e caipirinhas, além de otchas coisitchas mais. Estava todo mundo disperso curtindo o lugar e a gente ainda não tava no clima para fazer um barulho. Mais caipis e cervas e Gianne pega o violão e começa a tocar. O cara mandava bem na viola e somente tocava música brasileira. Mandou Natiruts e tudo... Aí, cada um pegou de um instrumento, ou não, pegou de seu copo ou cigarro e fomos mandando uns sons muito maneiros. O Jura levou até Lionel Richie – all night long – e assim seguimos, quando, de repente, começam a chegar alguns turistas com bugueiros que, apesar da folga de alguns, aproveitavam a segunda para ganhar um trocado a mais. Porém, os turistas ficavam pouco tempo por lá e seguiam seus passeios. Muitos curtiam uma música ou outra que a gente levava. No entanto, uma garota, por sinal, muito bem afeiçoada e em trajes de banho, ficou maravilhada com o som que estávamos levando, sambou um bocado e implorou para o bugueiro para ficar no local. Porém, os demais turistas que estavam com ela queriam seguir o passeio e, assim, infelizmente, ela deixou o local chateada. Aquela cena ficou na memória.



Fiz muitas amizades em Canoa e os 4 dias previstos acabaram sendo 11. Quase perco o natal em Fortaleza. Voltei para Brasília com sede de música. Pensava, olhando para o horizonte (feito imagem de filme...rs), em participar de algum grupo de percussão e em valorizar mais nossa música, seguindo o conselho de meu amigo italiano, o Gianne. Comecei a ouvir Lenine.



Já havia testado a harmonia composta com base no som das ondas que captei em Canoa, o tom era sol menor e um dia correndo pelo calçadão da L norte, em Taguatinga, expiro mentalmente a seguinte frase:



“É bonito o mar,

É bonito o mar,

A onda quebra na praia.”



Restava saber se a melodia com a qual eu entoava essas frases se encaixaria na harmonia que já havia composto. Chego ansioso em casa, pego o violão e tudo se encaixa como uma luva. Pirei!



Daí por diante estendi mais a harmonia, segurando em sol menor e compondo a seguintes versos em ritmo rap:



“Fico indignado quando olho pra você

E vejo que o tempo fez você desanimar

Na vida é preciso algo mais pra se viver

Preste atenção no que quero te falar:

Tenha Fé

Fé em Deus”



Empaquei aí e mesmo tendo Fé, não saia mais nada. Por algum tempo a música ficou só nisso. Até que, em certo dia, rolou um carneiro no bar que meu brother B-é havia aberto na L. O rango tava uma delícia e uma galera passou a tarde no bar tomando umas e jogando conversa fora. O B-é levou uns sons pra gente e logo eu me animei em mostrar-lhe a música que estava compondo. Ele a achou interessante e, em um momento, começou a elaborar uma outra parte da música entoando a seguinte letra:



“O vento que balança as folhas do coqueiro

E o mesmo que sopra as velas do jangadeiro”



Achei demais e aí a gente tentou, pelo resto daquela tarde, encontrar alguma complementação para esses versos, porém não rolou nada legal. Paramos por ali. No entanto, a idéia que o B-é havia dado enriqueceu pra caramba a música, sendo que já estava na mão uma parte C para ela, só faltava encontrar alguns versos legais para terminá-la.



Desse modo, na semana seguinte, aquela finalização não saia de minha cabeça, quando, em um dia, no intervalo do meu trampo, caminhando rumo a um restaurante próximo ao serviço, relembro daquela cena no quiosque em Canoa, em que a gente estava tocando e uma moça bem vistosa que vinha com os bugueiros curtiu pra caramba nosso som, querendo ficar por lá. Então, nesse instante me veio a inspiração:



“O vento que balança as folhas do coqueiro

E o mesmo que sopra as velas do jangadeiro

Um bom lugar pra ficar na sombra

E a menina faceira samba ao som de um pandeiro



Pronto. Estava finalizada a música. E, como ela ainda não tinha nome e por todo contexto que rolou, de quebra, com a finalização também ganhamos o título da música - Ao som de um pandeiro.



Um lance curioso dessa história é que, na época da primeira inspiração que tive para compor essa música, eu ainda não havia tido quase que nenhum contato com o ritmo do maracatu e, ainda assim, a levada base de Ao som de um pandeiro é nesse ritmo. Dizem, no entanto, que a batida do maracatu surgiu com o barulho que os escravos, vindos da áfrica, ouviam nos navios negreiros quando as ondas batiam no casco da embarcação. Assim, talvez a onda que ouvi quebrando na praia de Canoa possa ter também influenciado no ritmo em que essa música seria composta. Viagem!

 

Em agosto de 2006, escrevi Ao som de um pandeiro no 1º Festival de Música dos Servidores Públicos Federais de Brasília e reuni uma galera para apresentá-la na ocasião, sendo a canção premiada com o terceiro lugar no festival e também com o melhor arranjo.



Desse modo, foram necessários 18 dias em Jericoacoara e mais alguns em Canoa Quebrada para que esse ser, que aqui escreve, entrasse no “astral” que permitiria a criação, ou melhor, a captação de uma música. Não só os dias de liberdade, mas também o contanto com toda natureza dos lugares por onde passei e, ainda, o contato com pessoas maravilhosas foram elementos fundamentais no desenrolar de toda essa história. Enfim, o vento que balança as folhas do coqueiro é o mesmo que sopra as velas do jangadeiro.



Portanto, chego à conclusão de que funcionamos também como uma espécie de antena e de que a freqüência em que operamos é de fundamental importância para estarmos abertos às variadas vibrações que o universo nos proporciona. Tenham Fé!



Assistam, no youtube, ao vídeo do festival, com os devidos descontos pela precariedade da gravação.




Brasília, 11 de junho de 2012.

Cláudio Lima (Rubião)

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