Eu que
trabalho cedo fiz esta loucura sublime: madrugada de domingo, serenata para
Duda Cavalcanti. Estávamos num bar e Chico Buarque de Hollanda lamentou que não
houvesse no Rio uma garota que fosse ao mesmo tempo linda e morasse numa
verdadeira casa. O problema da serenata, disse ele, é que, se a moça mora no
quarto andar, você se arrisca a receber um urinol na cabeça, lançado pelos
vizinhos do quinto andar. Eu então declarei: “Senhores e Senhoras, Duda
Cavalcanti, que dispensa apresentação, mora numa casa, diante do mar.” Hugo
Carvana me encarregou de telefonar para ela:
- Alô? Duda?
- Ela.
- Qual é mesmo
o número da sua casa?
- Por quê?
Você quer jogar no bicho?
- Não é bem
isso. Olha, esteja em casa às 3 horas da manhã.
- Por quê?
Você vai me raptar?
- Não, é uma
surpresa.
Outro problema
é que o pessoal do teatro dá um duro danado e ninguém nota. Eram 4 horas da
tarde e marcamos a serenata para as 3 da madrugada. Pouco depois de meia-noite,
fomos ao Teatro de Bolso, onde havia ensaio. Odete Lara (que aliás tem uma voz
belíssima, já repararam?) estava deitada num sofá e cantava; outros atores
faziam outras coisas. Fomos expulsos da platéia porque nossa presença deixa
quase todo mundo inibido. Lá fora, ficamos à espera de Hugo Carvana. Ele
apareceu às 2 horas. A casa de Duda era perto. Fomos para lá em diversos
automóveis; parecia uma curra. Saltamos, alguém empunhou um violão e a serenata
começou. Chico havia inventado uma canção de abertura, mais ou menos assim: “Vê
se me ajuda / Abre a janela, Duda / Vim suplicante / Minha cara Duda
Cavalcante.” Todos nós cantávamos cheios de esperança. As janelas permaneciam
fechadas. De repente, abriu-se uma porta e surgiu um homem de robe de chambre.
Era o tio da musa. Convidou-nos a entrar. Entramos. Cada um recebeu um copo
dentro do qual havia excelente uísque. Ficamos a cantar, para o tio e a tia de
Duda – um casal encantador. Às 3 horas da manhã, em ponto, Duda chegou. Pela
primeira vez, a serenata foi feita dentro da casa e a musa a ouviu do lado de
fora.
Hoje, segunda-feira,
completamente descalibrado, escrevo esta notícia para lembrar aos jovens que a
serenata de renascer. Não custa nada: basta um violão e dois ou três rapazes. É
uma declaração de amor platônico, feita em grupo e em homenagem a uma pessoa
determinada – a qual possui janela e não tem sono. (18-4-1967)
Nenhum comentário:
Postar um comentário