sábado, 9 de junho de 2012

Serenata - Carlinhos Oliveira (Indicado por Rubião)


Eu que trabalho cedo fiz esta loucura sublime: madrugada de domingo, serenata para Duda Cavalcanti. Estávamos num bar e Chico Buarque de Hollanda lamentou que não houvesse no Rio uma garota que fosse ao mesmo tempo linda e morasse numa verdadeira casa. O problema da serenata, disse ele, é que, se a moça mora no quarto andar, você se arrisca a receber um urinol na cabeça, lançado pelos vizinhos do quinto andar. Eu então declarei: “Senhores e Senhoras, Duda Cavalcanti, que dispensa apresentação, mora numa casa, diante do mar.” Hugo Carvana me encarregou de telefonar para ela:

- Alô? Duda?

- Ela.

- Qual é mesmo o número da sua casa?

- Por quê? Você quer jogar no bicho?

- Não é bem isso. Olha, esteja em casa às 3 horas da manhã.

- Por quê? Você vai me raptar?

- Não, é uma surpresa.

Outro problema é que o pessoal do teatro dá um duro danado e ninguém nota. Eram 4 horas da tarde e marcamos a serenata para as 3 da madrugada. Pouco depois de meia-noite, fomos ao Teatro de Bolso, onde havia ensaio. Odete Lara (que aliás tem uma voz belíssima, já repararam?) estava deitada num sofá e cantava; outros atores faziam outras coisas. Fomos expulsos da platéia porque nossa presença deixa quase todo mundo inibido. Lá fora, ficamos à espera de Hugo Carvana. Ele apareceu às 2 horas. A casa de Duda era perto. Fomos para lá em diversos automóveis; parecia uma curra. Saltamos, alguém empunhou um violão e a serenata começou. Chico havia inventado uma canção de abertura, mais ou menos assim: “Vê se me ajuda / Abre a janela, Duda / Vim suplicante / Minha cara Duda Cavalcante.” Todos nós cantávamos cheios de esperança. As janelas permaneciam fechadas. De repente, abriu-se uma porta e surgiu um homem de robe de chambre. Era o tio da musa. Convidou-nos a entrar. Entramos. Cada um recebeu um copo dentro do qual havia excelente uísque. Ficamos a cantar, para o tio e a tia de Duda – um casal encantador. Às 3 horas da manhã, em ponto, Duda chegou. Pela primeira vez, a serenata foi feita dentro da casa e a musa a ouviu do lado de fora.

Hoje, segunda-feira, completamente descalibrado, escrevo esta notícia para lembrar aos jovens que a serenata de renascer. Não custa nada: basta um violão e dois ou três rapazes. É uma declaração de amor platônico, feita em grupo e em homenagem a uma pessoa determinada – a qual possui janela e não tem sono. (18-4-1967)

Nenhum comentário:

Postar um comentário